A Estrada de Ferro Madeira Mamoré, localizada no interior da Floresta Amazônica, é uma das menos conhecidas e mais faladas ferrovias nacionais e quem sabe do mundo, pois ainda hoje são grandes a mística, as lendas e as histórias que cercam sua idealização, construção e operação nos confins do Brasil, por um punhado de homens corajosos e decididos, que levaram o progresso a uma região até então virtualmente inexplorada e selvagem, pagando para isso um preço altíssimo em termos de vidas humanas perdidas, reputações criadas e destruídas, perdas materiais e muitos atos de de heroísmo e lições de dedicação, etc...
Delírios ufanistas, razões de ordens estratégicas e econômicas, sonhos da descoberta de um "Eldorado" na região, muitas foram as motivações que levaram milhares de pessoas a entregarem suas vidas e sua saúde nesse empreendimento, bem como foram muitas as empresas Brasileiras, Americanas e Inglesas que, visualizando um futuro de enormes riquezas na região, acabaram afundando-se em dívidas e falindo fragorosamente, apesar das imensas somas de recursos nacionais e estrangeiros, particulares (privados) e governamentais injetados na costrução dessa estrada de ferro, tudo isso contribuindo para cunhar para a estrada expressões do tipo "Ferrovia Amaldiçoada", "A estrada dos trilhos de ouro", "A estrada onde morreu uma pessoa para cada dormente colocado" e a que define realmente o que foi a construção da ferrovia, no nosso entender, quando a ela refere-se o jornalista Manoel Rodrigues Ferreira como "A Ferrovia do Diabo".
Nesse espaço tentaremos contar um pouco do que foi essa epopéia, esclarecendo, por oportuno, que a maior parte das informações advém da leitura de alguns livros, entre os quais o excelente "A FERROVIA DO DIABO", de Manoel Rodrigues Ferreira, que a meu ver é o trabalho definitivo sobre essa ferrovia e deveria ser literatura obrigatória em todas as escolas do Brasil, pois o autor consegue, de uma forma envolvente, apresentar clara e objetivamente desde os primórdios da colonização da região até os motivos que levaram diversas companhias a tentar a construção da ferrovia, assim como os aspectos políticos que cercaram sua construção, as lutas de poder nos seus bastidores e a verdadeira história de seus construtores. Apresenta ainda, em uma linguagem bastante clara, os cenários onde o Brasil e os Estados Unidos se encontravam no início desse século e os rumos e do desenvolvimento de ambos. Em sua última parte, o grande jornalista conta como esse verdadeiro patrimônio nacional foi vendido a preço de sucata para ferros-velhos paulistas, em mais uma demonstração do descaso com que os poderes constituídos tratam a "coisa" pública e o patrimônio histórico do País.
Delírios ufanistas, razões de ordens estratégicas e econômicas, sonhos da descoberta de um "Eldorado" na região, muitas foram as motivações que levaram milhares de pessoas a entregarem suas vidas e sua saúde nesse empreendimento, bem como foram muitas as empresas Brasileiras, Americanas e Inglesas que, visualizando um futuro de enormes riquezas na região, acabaram afundando-se em dívidas e falindo fragorosamente, apesar das imensas somas de recursos nacionais e estrangeiros, particulares (privados) e governamentais injetados na costrução dessa estrada de ferro, tudo isso contribuindo para cunhar para a estrada expressões do tipo "Ferrovia Amaldiçoada", "A estrada dos trilhos de ouro", "A estrada onde morreu uma pessoa para cada dormente colocado" e a que define realmente o que foi a construção da ferrovia, no nosso entender, quando a ela refere-se o jornalista Manoel Rodrigues Ferreira como "A Ferrovia do Diabo".
Nesse espaço tentaremos contar um pouco do que foi essa epopéia, esclarecendo, por oportuno, que a maior parte das informações advém da leitura de alguns livros, entre os quais o excelente "A FERROVIA DO DIABO", de Manoel Rodrigues Ferreira, que a meu ver é o trabalho definitivo sobre essa ferrovia e deveria ser literatura obrigatória em todas as escolas do Brasil, pois o autor consegue, de uma forma envolvente, apresentar clara e objetivamente desde os primórdios da colonização da região até os motivos que levaram diversas companhias a tentar a construção da ferrovia, assim como os aspectos políticos que cercaram sua construção, as lutas de poder nos seus bastidores e a verdadeira história de seus construtores. Apresenta ainda, em uma linguagem bastante clara, os cenários onde o Brasil e os Estados Unidos se encontravam no início desse século e os rumos e do desenvolvimento de ambos. Em sua última parte, o grande jornalista conta como esse verdadeiro patrimônio nacional foi vendido a preço de sucata para ferros-velhos paulistas, em mais uma demonstração do descaso com que os poderes constituídos tratam a "coisa" pública e o patrimônio histórico do País.
II. Os Índios na região
Por ser uma das últimas regiões a serem exploradas no Brasil, ainda existiam muitas tribos de índios na região atingida pela construção da ferrovia, principalmente junto às cachoeiras do Rio Madeira, sendo algumas até consideradas canibais pelos viajantes, entre as quais as dos Pacaás-Nova, tribo que empresta seu nome a uma serra localizada na região, sendo porém mais conhecida a dos Caripunas, citada também como Cajaripunas nos primeiros relatos sobre a região.
Ao longo dos anos de exploração e construção da ferrovia, vários contatos mais ou menos "felizes" foram feitos com diversas tribos locais, sendo que um dos relatos, feito em 1887 pelo engº Pinkas, que esteve no Rio Madeira entre 1883 e 1884 para fazer o projeto da estrada de ferro, é assim transcrito por Manoel Rodrigues Ferreira, em seu livro "A Ferrovia do Diabo":
"É uma tribo pacífica que gosta de ser brindada pelos viajantes a cujo encontro eles vêm, voluntariamente. Obedecem a um capitão (cacique), vivem em pequenos grupos entregues à caça e à pesca, plantam em vários pontos dos seus domínios, que anualmente percorrem, bananas e mandioca, sabem fazer uma farinha grosseira e conservar carne e peixe e produzem da farinha uma bebida fermentada (chicha) com que se embriagam em suas festas. Gostam do sal e pedem camisas e calças que só aceitam quando novas e nunca mais despem até cair aos pedaços. Os Caripunas, na maioria, andam completamente nus. Furam o septo do nariz, que recebe um duplo buquê de penas encarnadas e ornam as orelhas com dentes de capivara ou de jacaré, grudando-os com cêra. Vistos de longe parecem ter bigode vermelho.
No pescoço, trazem colares de dentes de macaco ou coati, nos pulsos e pernas enrolam em forma de pulseiras um barbante engenhosamente coberto por talas de penas. Nos seus festejos ornam-se com uma coroa de penas de tucano e mais enfeites de penas pretas, amarelas e vermelhas no corpo. As mulheres usam dos mesmos enfeites, andam completamente nuas até a idade da puberdade, quando recebem a tanga, pedaço de pano de 15 centímetros em quadrado ornado de penas e suspenso livremente sôbre um cinturão de feitio igual às pulseiras. Homens e mulheres não têm vestígios de cabelos no corpo. Os cabelos pretos lhes caem incultos sôbre os ombros e o peito, apenas aparados na fronte com a faca de conchas. Sabem fiar e fabricam rêdes de fibras vegetais. Seus arcos são direitos, têm dois metros de comprimento e são fabricados do pau da paxiúba. As flechas são maiores ainda. A haste que cortam da cana brava é enfeitada por penas de asas de mutum amarradas em espiral na parte inferior e unida à ponta de uma taboca mais grossa por um fio de algodão coberto com cêra. Essa arma, lhes serve na pesca, na caça, e na guerra. Usam também da zarabatana e conhecem os estricnos (venenos). Falam a língua geral (tupi), fortemente viciada pelo idioma dos seus vizinhos do Madre de Dios e Beni, e alguns entre êles conhecem a significação de algumas palavras espanholas.
Perguntam aos viajantes que encontram seus nomes e aplicam-nos em si ou seus filhos. Sofrem muito de constipações (gripes), de varíola e de febres intermitentes (malária). Parece ser costume entre esses índios abandonarem seus doentes ao acaso, sob pretexto de se acharem debaixo da dominação de algum espírito mau, que se apodera também daqueles que dos doentes se aproximam. Numa das minhas viagens às cachoeiras encontrei na margem esquerda do rio uma índia que ao nos aproximarmos mostrou ter uma ferida enorme no joelho da perna direita e achava-se incapaz de andar. Essa índia foi abandonada por seus companheiros os Pacaguaras, que se contentaram em armar junto dela uma rêde e deixar-lhe uma cestinha com bananas. Ainda em outros lugares, a comissão que dirigi teve encontros amistosos com índios e a segunda turma sentiu-se acompanhada e espiada por eles durante todo o tempo que esteve no mato. Entretanto, nunca se mostraram, nem molestaram os homens dessa turma, apesar de irem isolados buscar água."
Ao longo dos anos de exploração e construção da ferrovia, vários contatos mais ou menos "felizes" foram feitos com diversas tribos locais, sendo que um dos relatos, feito em 1887 pelo engº Pinkas, que esteve no Rio Madeira entre 1883 e 1884 para fazer o projeto da estrada de ferro, é assim transcrito por Manoel Rodrigues Ferreira, em seu livro "A Ferrovia do Diabo":
"É uma tribo pacífica que gosta de ser brindada pelos viajantes a cujo encontro eles vêm, voluntariamente. Obedecem a um capitão (cacique), vivem em pequenos grupos entregues à caça e à pesca, plantam em vários pontos dos seus domínios, que anualmente percorrem, bananas e mandioca, sabem fazer uma farinha grosseira e conservar carne e peixe e produzem da farinha uma bebida fermentada (chicha) com que se embriagam em suas festas. Gostam do sal e pedem camisas e calças que só aceitam quando novas e nunca mais despem até cair aos pedaços. Os Caripunas, na maioria, andam completamente nus. Furam o septo do nariz, que recebe um duplo buquê de penas encarnadas e ornam as orelhas com dentes de capivara ou de jacaré, grudando-os com cêra. Vistos de longe parecem ter bigode vermelho.
No pescoço, trazem colares de dentes de macaco ou coati, nos pulsos e pernas enrolam em forma de pulseiras um barbante engenhosamente coberto por talas de penas. Nos seus festejos ornam-se com uma coroa de penas de tucano e mais enfeites de penas pretas, amarelas e vermelhas no corpo. As mulheres usam dos mesmos enfeites, andam completamente nuas até a idade da puberdade, quando recebem a tanga, pedaço de pano de 15 centímetros em quadrado ornado de penas e suspenso livremente sôbre um cinturão de feitio igual às pulseiras. Homens e mulheres não têm vestígios de cabelos no corpo. Os cabelos pretos lhes caem incultos sôbre os ombros e o peito, apenas aparados na fronte com a faca de conchas. Sabem fiar e fabricam rêdes de fibras vegetais. Seus arcos são direitos, têm dois metros de comprimento e são fabricados do pau da paxiúba. As flechas são maiores ainda. A haste que cortam da cana brava é enfeitada por penas de asas de mutum amarradas em espiral na parte inferior e unida à ponta de uma taboca mais grossa por um fio de algodão coberto com cêra. Essa arma, lhes serve na pesca, na caça, e na guerra. Usam também da zarabatana e conhecem os estricnos (venenos). Falam a língua geral (tupi), fortemente viciada pelo idioma dos seus vizinhos do Madre de Dios e Beni, e alguns entre êles conhecem a significação de algumas palavras espanholas.
Perguntam aos viajantes que encontram seus nomes e aplicam-nos em si ou seus filhos. Sofrem muito de constipações (gripes), de varíola e de febres intermitentes (malária). Parece ser costume entre esses índios abandonarem seus doentes ao acaso, sob pretexto de se acharem debaixo da dominação de algum espírito mau, que se apodera também daqueles que dos doentes se aproximam. Numa das minhas viagens às cachoeiras encontrei na margem esquerda do rio uma índia que ao nos aproximarmos mostrou ter uma ferida enorme no joelho da perna direita e achava-se incapaz de andar. Essa índia foi abandonada por seus companheiros os Pacaguaras, que se contentaram em armar junto dela uma rêde e deixar-lhe uma cestinha com bananas. Ainda em outros lugares, a comissão que dirigi teve encontros amistosos com índios e a segunda turma sentiu-se acompanhada e espiada por eles durante todo o tempo que esteve no mato. Entretanto, nunca se mostraram, nem molestaram os homens dessa turma, apesar de irem isolados buscar água."
III. Os construtores da EFMM fazem amizade com os índios
Os Caripunas localizavam-se na região do Rio Mutum-Paraná, onde êste desemboca no Madeira, à altura da Cachoeira dos Três Irmãos. Com a retomada efetiva do iníco da construção da ferrovia, segundo alguns relatos, suas investidas contra as obras da ferrovia também foram retomados. Durante a noite, os índios vinham e retiravam trilhos e dormentes, causando atrasos nas obras, o que levou a ferrovia a eletrificar os trilhos durante a noite, causando dezenas de mortes entre os índios e animais selvagens da região. Devido a essas investidas, seus trabalhadores, também conhecedores das lendas e histórias sobre esses "selvagens", agiam com cuidados redobrados no serviço. Tanto as turmas de exploração, locação e depois as de construção passavam ou permaneciam nesta região com muita cautela. Também os engenheiros, médicos e trabalhadores observavam a mata com cuidado e atenção constantes, esperando, a cada momento, um ataque dos Caripunas e, nas rodas das fogueiras nos acampamentos à noite, os ataques mortais destes aos construtores anteriores da ferrovia eram frequentemente lembrados.
Ironicamente, claro está que os índios, tradicionalmente também muito curiosos e arredios, deveriam estar constantemente espreitando os trabalhos e, deivdo a essa apreensão mútua, durante algum tempo, não houveram possibilidades de aproximação entre os dois grupos até que certo dia uma das turmas da construção encontrou um índio abandonado pela tribo. Os trabalhadores perceberam que ele estava enfermo e com uma grande ferida na perna direita, que não permitia sequer que ele se levantasse. Havia sido deixada ao seu lado uma cabaça com alimentos.
Conhecedores que somos hojes dos costumes indígenas, podemos afirmar com certeza que os demais membros da tribo Caripuna abandonaram aquele índio naquele local para ver o que os "brancos" da construção fariam, pois se o quisessem deixar no mato para morrer não precisariam deixá-lo na trilha que sabiam ser percorrida pelos funcionários da ferrovia. Repetia-se então, muitos anos depois, o que acontecera a Júlio Pinkas, quando encontrara um índio nas mesmas condições.
Ironicamente, claro está que os índios, tradicionalmente também muito curiosos e arredios, deveriam estar constantemente espreitando os trabalhos e, deivdo a essa apreensão mútua, durante algum tempo, não houveram possibilidades de aproximação entre os dois grupos até que certo dia uma das turmas da construção encontrou um índio abandonado pela tribo. Os trabalhadores perceberam que ele estava enfermo e com uma grande ferida na perna direita, que não permitia sequer que ele se levantasse. Havia sido deixada ao seu lado uma cabaça com alimentos.
Conhecedores que somos hojes dos costumes indígenas, podemos afirmar com certeza que os demais membros da tribo Caripuna abandonaram aquele índio naquele local para ver o que os "brancos" da construção fariam, pois se o quisessem deixar no mato para morrer não precisariam deixá-lo na trilha que sabiam ser percorrida pelos funcionários da ferrovia. Repetia-se então, muitos anos depois, o que acontecera a Júlio Pinkas, quando encontrara um índio nas mesmas condições.
Ao ser encontrado, o índio estava em péssimo estado de saúde e ainda achava que iria ser morto sem piedade pelos "brancos", o que evidentemente não ocorreu, pois o médico-chefe do hospital de Candelária, Dr. Lovelace resolveu cuidar do índio, até mesmo como estratégia para estabelecimento de boas relações com os índios. Como a ferida estava bastante infectada, havendo comprometido a perna, o Dr. Lovelace resolveu amputar a perna direita do índio, que a essa altura já era conhecido carinhosamente pelos médicos e enfermeiras como "Caripuna Pete". Feita a cirurgia e restabelecido o indio "Pete", o médico mandou vir dos E.E.U.U. um aparelho ortopédico que substituísse a perna amputada. alguns meses depois, quando o índio já estava recuperado, também devido à excelente alimentação (se comarada à disponível na selva..), a Companhia fez com qu eele retornasse à sua tribo.
Imaginem o espanto dos Caripunas ao ter de volta, com uma perna "fria", um membro da tribo julgado morto e enterrado há meses. Previsivelmente, depois de apenas alguns dias de trabalho de "convencimento", ele voltou ao acampamento de trabalhadores, trazendo em sua companhia quatorze índios também doentes de diversas enfermindade, selando dessa forma a amizade entre o pessoal da estrada e os Caripunas.
Imaginem o espanto dos Caripunas ao ter de volta, com uma perna "fria", um membro da tribo julgado morto e enterrado há meses. Previsivelmente, depois de apenas alguns dias de trabalho de "convencimento", ele voltou ao acampamento de trabalhadores, trazendo em sua companhia quatorze índios também doentes de diversas enfermindade, selando dessa forma a amizade entre o pessoal da estrada e os Caripunas.
Embora tenha sido o trabalho anônimo de milhares de Brasileiros e Estrangeiros o responsável pela construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré ---ferrovia que nas palavras do presidente americano Theodore Roosevelt foi, juntamente com o Canal do Panamá, uma das 2 maiores obras realizadas na América---, são inúmeros os personagens que se sobressaem de forma destacada quando se procura compreender melhor a odisséia que foi a construção dessa ferrovia em plena Floresta Amazônica, como o Cel. Church, os irmãos Collins, o engenheiro brasileiro Morsig, o fotógrafo Danna Merril, o mega-empresário Percival Farquhar e outros.
Prof. Valdeci Ribeiro