No Brasil atualmente, milhares de Contratos Bancários são firmados por dia. Dentre tais contratos, uma significante parcela trata-se de contratos de Alienação Fiduciária de veículos. Antes mesmo de abordar a Ações de Busca e Apreensão propriamente dita, é interessante fazer um breve estudo sobre o contrato que a origina.
A propriedade fiduciária, nos termos do Código Civil, tem o seguinte conceito:
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
Em resumo, o banco fornece o dinheiro para que o financiado adquira o veículo, sendo que este permanece como garantia do contrato. Em caso de inadimplência, surge à instituição bancária credora a possibilidade de mover a Ação de Busca e Apreensão do bem colocado em garantia, cujo procedimento especial será, regrado pelo Decreto Lei 911/69. O referido Decreto dispõe tanto de direito material quanto processual, podendo ser classificada portanto, como uma norma híbrida.
Ocorre que essa espécie de negócio jurídico se disseminou pelo país, a uma, por que proporcionava a aquisição de veículos pelos interessados em adquirir, a duas para facilitar a vida dos vendedores em limpar o estoque de sua revenda de automóveis. Neste compasso, a realização de contratos de alienação fiduciária acabou se tornando muito comum, sendo que contudo, na maioria das vezes, o devedor fiduciário ao contratar não tem ideia de que a inadimplência de algumas parcelas autoriza o seu credor fiduciário apreender o bem, assim como vendê-lo em leilão. Convenientemente tal informação também lhe é ocultada.
Por muitas vezes foi questionada a Constitucionalidade do Decreto Lei 911/69, alegações de que não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988, isso por que, alguns de seus artigos se revelavam agressivos e aparentemente prejudicavam o exercício do direito de ampla defesa e contraditório. Um dos mais discutidos é o art. 3º, que com as alterações dadas pela Lei nº 13.043, de 2014, passou a ter a seguinte redação:
Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13043, de 2014).§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
Em suma, uma vez inadimplido o contrato de alienação fiduciária, o credor fiduciário pode requerer a Busca e Apreensão do bem das mãos do devedor. Não obstante, decorridos 5 (cinco) dias da execução da liminar sem que o devedor pague a integralidade do débito, fica consolidada a posse e propriedade do bem ao credor fiduciário, podendo o mesmo vendê-lo em Leilão independente de autorização judicial.
A princípio, um absurdo. Por esta razão, mais de uma vez esse debate chegou ao STJ e até mesmo no STF, e todas as decisões declararam a constitucionalidade do referido Decreto, conforme segue:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ART. 3º, §§ 1ºE 2º, DO DL 911/69, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.931/2004 – PRAZO DE 5 (CINCO) DIAS PARA PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA PELO DEVEDOR – TERMO INICIAL – DATA DA EXECUÇÃO DA LIMINAR – CONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL – PRECEDENTES – QUITAÇÃO DO DÉBITO INTEMPESTIVA – CONSOLIDAÇÃO DA POSSE E DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR – OCORRÊNCIA – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE – RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS PELA DEVEDORA A TÍTULO DE PURGAÇÃO DA MORA, RESSALVADA A EXISTÊNCIA DE EVENTUAL SALDO CREDOR EM FAVOR DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUE DEVERÁ SER ABATIDO DO MONTANTE A SER RESTITUÍDO – NECESSIDADE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I – O comando expresso do art. 3ºdo DL 911/69, cuja constitucionalidade já foi reconhecida pelo STF e pelo STJ, determina que o prazo para o pagamento integral da dívida pelo devedor, a elidir a consolidação da posse em favor do credor, inicia-se a partir da efetivação da decisão liminar na ação de busca e apreensão; (…). II – III – Recurso especial provido. (REsp 986.517/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 20/05/2010). Grifei.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". 2. Recurso especial provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.418.593 - MS 2013/0381036-4, RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A, RECORRIDO: GERSON FERNANDES RODRIGUES). Grifei.
Apesar de aparentemente ser um assunto pacificado, muitos magistrados se negam a deferir medidas liminares de Busca e Apreensão com fulcro no referido decreto, por entenderem pela sua inconstitucionalidade. Contudo, tais decisões não ultrapassam a esfera dos Tribunais de Justiça, que com absolutez vêm aplicando o entendimento dos Tribunais Superiores.
Ocorre que as discussões não acabam por aí. Como pressuposto para o deferimento da medida liminar, ficou condicionado ao credor comprovar a mora debendi do devedor. Aliás, este assunto restou Sumulado pelo próprio STJ, através da Ssúmula de nº 72: “A comprovação da mora e imprescindível a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.”
Nos contratos de Alienação Fiduciária a mora do devedor constitui-se “ex re”, ou seja, com o simples vencimento da obrigação (dies interpellat pro homine). Contudo, apesar de já estar constituída, ela precisa ser comprovada, o que pode se dar por Notificação Extrajudicial ou Protesto.
Neste sentido, iniciou-se uma verdadeira batalha Judicial dos Bancos e Financeiras no intuito de agilizar o procedimento, pois ter que comprovar a mora através de Protesto ou através de Notificação extrajudicial a ser realizada pelo cartório da mesma comarca do devedor demandaria muito trabalho, e atrasaria muito todo o procedimento.
Neste passo, logo o STJ se manifestou no sentido de possibilitar que a referida notificação pudesse ser realizada por cartório de títulos de comarca diversa da do devedor, bastando ser entregue no endereço informado no contrato, mesmo que recebido por pessoa diversa. Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DEFINANCIAMENTO DE AUTOMÓVEL COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA POR CARTÓRIO DE TÍTULOS EDOCUMENTOS SITUADO EM COMARCA DIVERSA DA DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR. VALIDADE. 1. A notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço dodevedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do devedor. Precedentes. 2. Julgamento afetado à Segunda Seção com base no procedimento estabelecido pela Lei nº 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos) e pela Resolução STJ nº 8/2008.3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 09/05/2012, S2 - SEGUNDA SEÇÃO).
Assim, atualmente, o entendimento preponderante é de que o envio da notificação através de correio (Carta AR), devidamente recebida no endereço do devedor é suficiente para caracterizar a mora, e possibilitar o deferimento liminar da Ação de Busca e Apreensão.
Como visto, o inadimplemento do financiado não é muito perigoso. Portanto, os financiados que não estão em condições de adimplir as parcelas do contrato devem imediatamente procurar um advogado para de alguma forma obstar a Ação de Busca e apreensão, ou ainda informar a financeira e se propor a firmar um acordo.
Fonte: Saudi Alves (Advogado )